quarta-feira, 3 de abril de 2013

Cosmologia: vítima do próprio sucesso?



(Teoria de Tudo - Folha) VOLTANDO AO ASSUNTO dos novos dados que o satélite Planck divulgou sobre a história do Universo, decidi escrever um pouco sobre a paisagem cosmológica vista pelos físicos teóricos, não por aqueles envolvidos diretamente com as sondas de observação. Eu ainda estava um pouco intrigado com a maneira com que a Nasa e a ESA haviam anunciado os novos números, e decidi conversar com um amigo que poderia me abrir uma outra perspectiva.

Era particularmente difícil para mim entender qual seria a importância de a idade do Universo mudar de 13,7 bilhões para 13,8 bilhões de anos, ou de a parcela de energia escura no cosmo mudar de 71,4% para 68,5%. Ainda que esses números sejam importantíssimos para calibrar novas observações cosmológicas, o avanço me parecia meramente incremental do ponto de vista do conhecimento básico.

Descobri que eu não estava sozinho quando falei com Urbano França, do Instituto de Física Corpuscular da Universidade de Valência. Há dois anos, conheci Urbano quando ele era pesquisador visitante do Centro Para Astrofísica de Harvard, e criei o costume de aborrecê-lo com perguntas impertinentes sobre cosmologia. E desta vez, ao que parece, minha implicância não era tão injustificada.

“O Universo, então, é o que todo mundo esperava”, me disse Urbano, sobre os dados do Planck. “Ele é 100 milhões de anos mais velho do que se achava, mas já faz tempo que esse número está dentro da margem de erro do WMAP [o satélite que mapeou o cosmo antes do Planck].”

Mas, se nada mudou, o que deixou os cosmólogos tão empolgados, então?

ANOMALIAS
Para os teóricos, o aspecto mais interessante do novo mapa do Universo, na verdade, não são as minúsculas correções alardeadas pelo projeto, mas sim as sutis anomalias sugeridas pelo WMAP, que o Planck confirmou.

Uma delas é que o cosmo parece ser ligeiramente assimétrico, com mais temperatura distribuída de uma lado do que de outro. “As pessoas esperavam que essa anomalia fosse embora, mas ela não foi”, disse Urbano. Segundo ele, a busca por uma teoria que tente explicar esse aspecto deve se intensificar agora.

Outra anomalia interessante é uma região grande do Universo na qual a temperatura média se aproxima do ponto mais baixo da variação. Ninguém sabe ainda como essa “mancha fria” se formou, e isso também deve passar a ser objeto de especulação teórica mais frequente.

INFLAÇÃO
Uma outra consequência dos dados do Planck será a de eliminar muitos modelos teóricos complicados que tentam explicar a chamada inflação cosmológica: o período de expansão acelerado no universo jovem.

O que a inflação fez foi expandir o cosmo abruptamente a um tamanho dezenas de ordem de magnitude maior. Ao nascer, o universo era basicamente uma nuvem homogênea de matéria e energia, sem estrelas e galáxias intercaladas por grandes vazios. Sem estrutura. A única heterogeneidade que existia eram pequenas “flutuações quânticas”, diferenças desprezíveis na densidade de energia entre um ponto e outro do universo.

Quando a inflação fez o universo crescer extremamente rápido em sua infância, essas flutuações também acabaram se expandindo e ganharam um tamanho apreciável. “Uma vez que a expansão inflacionária do Universo desacelerou, a matéria começou a cair nos lugares que já tinham um pouco de matéria, e essa região continuou atraindo o resto”, explica Urbano.

Há uma infinitude de teorias tentando explicar como a inflação ocorreu. Ela certamente foi alimentada por um campo quântico, uma região dominada por uma força, assim como um campo magnético de um ímã. Ninguém sabe, porém, o que exatamente era esse campo, e o “mercado” de teorias está movimentado agora. A “cotação” de uma teoria sobe quando surgem mais evidências de que ela pode estar certa.

O que deve ocorrer após os resultados do Planck, segundo Urbano, é que a cotação das teorias mais complicadas —que usam vários campos para tentar explicar a inflação— entrará em queda. O mapa revelado pelo Planck, diz, está mais de acordo com uma teoria que se baseie num único campo como motor da inflação cosmológica.

Uma escola teórica que sai perdendo com isso é a da chamada supersimetria —uma teoria que prevê o dobro do número de tipos de partículas elementares conhecidas hoje. A existência de mais classes de partículas implica a existência de mais campos, o que complica ainda mais as explicações para a inflação.

NEUTRINOS
Outro aspecto pouco noticiado sobre o mapa do Planck é que ele parece ir contra novas teorias que preveem a existência de um quarto tipo de neutrino –a partícula elementar fantasma com massa quase desprezível e com carga elétrica neutra.

Além dos três tipos conhecidos de neutrinos, físicos especulavam que haveria outros, cujo papel durante a inflação seria o de tornar o Universo um pouco mais heterogêneo. O mapa revelado pelo Planck, porém, torna essa hipótese desnecessária.

Urbano estava justamente pesquisando aspectos teóricos para tentar impor um limite ao número de tipos de neutrinos existentes, e disse ter ficado feliz com o resultados do Planck, já que uma maior precisão de dados tornará seu trabalho teórico mais preciso também.

“Estou contente que os resultados estejam cada vez mais precisos, mas nem sempre é fácil vender essa ideia e explicar por que é importante investir nisso”, me disse Urbano. Seu temor, explicou, é o de que a cosmologia acabe se tornando “vítima do próprio sucesso”. Será cada vez mais difícil convencer governos a enviarem sondas de € 700 milhões para estudar a radiação cósmica de fundo. Sem notícias bombásticas de grandes viradas científicas, fazendo ciência incremental, esse projetos perdem seu poder de sedução.

Urbano porém, explica que avanços teóricos só serão possíveis se, em algum momento os experimentos forem precisos o bastante para explicar previsões como as das anomalias mencionadas acima. Além disso, comparadas com o custo de um acelerador de partículas gigante, sondas cosmológicas são bem baratas (o LHC custou mais de dez vezes o Planck).

O Planck e o WMAP, afinal, tiveram como importante legado a descoberta de grandes questões (como as anomalias), e não apenas de respostas. Urbano, então, resume seu melhor argumento para continuarmos estudando a radiação cósmica de fundo: “O gasto não é absurdo, e nunca se sabe como a pergunta vai vir”.

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