quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Mais próximos da matéria escura

Joshua Frieman conta sua estratégia para obter indícios da misteriosa substância


(Scientific American Brasil) Assim como a maioria dos cosmólogos teóricos, Joshua Frieman ficou empolgado quando, em 1998, astrônomos anunciaram que a expansão do Universo parecia estar acelerando, conduzida por um agente invisível que eles batizaram de “energia escura”.

Frieman e seus colegas teóricos imaginaram duas possíveis causas para a aceleração cósmica: a energia escura poderia ser a oscilação quântica do espaço vazio – uma “constante cosmológica” que continua a aumentar conforme o espaço expande, empurrando-o com força cada vez maior.

Por outro lado, um campo de força ainda não detectado poderia permear o Cosmos, semelhante ao campo que cientistas acreditam ter alimentado a exponencial expansão do Universo durante o Big Bang.

Mas os cientistas também perceberam que as duas opções teriam consequências observacionais quase idênticas, e qualquer uma das teorias poderia corresponder adequar a medidas atuais imprecisas.

Para diferenciar uma da outra, Frieman, professor de astronomia e astrofísica da University of Chicago e cientista sênior do Fermilab perto de Batavia, no estado de Illinois, cofundou a Dark Energy Survey (DES, ou “Pesquisa de Energia Escura”), um experimento de 300 pessoas e US$50 milhões.

A peça central do projeto é a Câmera de Energia Escura, ou DECam, um detector ótico de infravermelho próximo e CCD com 570 megapixels, construído no Fermilab e instalado no Telescópio Blanco, no Chile, há dois anos.

Ao observar 300 milhões de galáxias espalhadas por 10 bilhões de anos-luz, a DES pretende rastrear a aceleração cósmica com mais precisão que nunca, esperando apoiar uma das duas hipóteses.

Frieman e sua equipe agora estão mostrando seus primeiros resultados.

A Revista Quanta se entrevistou Frieman no final de agosto durante a COSMO 2014, conferência que ele ajudou a organizar. Com sua curta barba branca, óculos de tartaruga e camisa de algodão orgânico, o cientista desaparecia entre clientes que almoçavam no restaurante italiano da esquina. Entre porções de tagliatelle, ele explicou exatamente o que sabemos e não sabemos sobre a energia escura, e como a DES ajudará a levar teóricos até uma ou outra das descrições de sua natureza. Segue uma versão editada e condensada da entrevista.

QUANTA MAGAZINE: Por que o senhor começou a Pesquisa de Energia Escura?
JOSHUA FRIEMAN: Como teórico trabalhando nos anos 90 com ideias sobre o que poderia fazer com que o Universo acelerasse, eu cheguei à conclusão de que poderíamos produzir modelos diferentes e fazer muita especulação, mas que não saberíamos qual desses caminhos seguir até que tivéssemos dados muito melhores.

Assim, nós começamos a discutir como obter esses dados. Por volta daquela época, o Observatório Nacional de Astronomia Ótica anunciou uma oportunidade que dizia, mais ou menos, “Se você conseguir construir um instrumento bem legal para o telescópio que operamos no Chile, você vai ganhar muito tempo no telescópio”. Foi então que formamos a colaboração da Pesquisa de Energia Escura e criamos o projeto de nossa câmera.

Não é incomum que um teórico conduza um grande experimento de astrofísica?
É um pouco incomum, mas as fronteiras entre teoria e observação na cosmologia estão se tornando difusas, o que eu acredito ser uma evolução saudável. No passado, teóricos como eu trabalhavam com papel e caneta, e então observadores obtinham e analisavam dados. Mas agora temos um modelo baseado em que equipes treinadas para analisar e interpretar grandes conjuntos de dados, e isso não é teoria pura ou observação pura, mas uma combinação dos dois.

Como o senhor visualiza algo invisível e desconhecido como a energia escura?
Uma maneira de pensar sobre a energia escura é como um fluído, no sentido de que ela pode ser descrita por sua densidade e pressão. Essas duas propriedades nos informam seus efeitos sobre a expansão do Universo. Quanto mais energia escura existir – isto é, quanto maior sua densidade – maiores são seus efeitos. Mas o que é realmente crucial sobre a energia escura é que, ao contrário de todas as outras coisas que conhecemos, ela tem pressão negativa, e isso a torna gravitacionalmente repulsiva.

Por que a pressão negativa a torna repulsiva?
A teoria de Einstein afirma que a força da gravidade é proporcional à densidade energética mais três vezes a pressão então, na prática, a própria pressão gravita. Isso é algo a que não estamos acostumados porque, com a matéria comum, a pressão é apenas uma pequena fração da densidade. Mas se algo tiver pressão como uma fração considerável da densidade energética, e se essa pressão for negativa, então podemos mudar o sinal da gravidade. Assim a gravidade não é mais atrativa – é repulsiva.

O principal candidato para a energia escura é, de longe, a “constante cosmológica”. O que é isso?
Albert Einstein introduziu a constante cosmológica em 1917 como um termo adicional nas equações da gravidade. Na teoria de Einstein, a gravidade é a curvatura do espaço-tempo: você tem alguma fonte de energia e pressão que curva o espaço-tempo, e então outra matéria se move dentro desse espaço curvado. As equações de Einstein se relacionam à curvatura do espaço-tempo para a energia e pressão de qualquer coisa que estiver no espaço.

Einstein originalmente inseriu a constante cosmológica no lado da equação que continha a curvatura porque queria obter uma solução específica, que acabou se provando errada. Logo depois, porém, o físico belga Georges Lemaître percebeu que a constante cosmológica se relacionava naturalmente com as pressões e densidades energéticas, e que isso poderia ser interpretado como densidade energética e pressão de algo. O lado da densidade e pressão na equação já continha tudo no Universo: matéria escura, átomos, qualquer coisa. Se removermos tudo isso, então a constante cosmológica deve ser a densidade energética e a pressão do espaço vazio.

Como o espaço vazio pode possuir energia e pressão?
Na física clássica, o espaço vazio não tinha energia ou pressão.

Mas efeitos quânticos podem criar energia e pressão mesmo se não existirem partículas por lá. Na teoria quântica podemos imaginar partículas virtuais voando pelo vácuo, e essas partículas virtuais – que estão sempre sendo produzidas e aniquiladas – têm energia.

Assim, se a energia escura for a constante cosmológica, ela poderia ser a energia associada a essas partículas virtuais.

Como se mede a energia escura?
Estamos tentando fazer duas coisas que nos deem os limites para a energia escura: a primeira é medir distâncias, o que nos conta a história da expansão cósmica. A segunda é medir o crescimento de estrutura no Universo.

Para esse último, estamos usando uma técnica chamada de “lente gravitacional fraca”, que envolve medir, com muita precisão, os formatos de centenas de milhões de galáxias, e então inferir como esses formatos foram distorcidos, porque os raios de luz dessas galáxias ficam curvados com a gravidade enquanto eles viajam até nós.

Esse efeito de lente é minúsculo; assim, em 99 de cada 100 casos, você não consegue saber se o efeito incidiu sobre uma galáxia só de olhar para ela. Então temos que analisar o sinal estatisticamente.

Se compararmos os formatos de galáxias que não ficam tão distantes com o formato das que ficam, parte da diferença se deverá ao fato de que a luz passou por quantidades diferentes de estruturas aglomeradas.

Analisar o sinal das lentes nos dará uma medida de como a aglomeração do Universo evoluiu no tempo cósmico, e essa aglomeração é afetada pela energia escura.

A gravidade puxa as coisas para dentro, fazendo o Universo se tornar cada vez mais aglomerado com o tempo, mas a energia escura faz o oposto. Ela faz com que as coisas se afastem umas das outras.

Então, se pudermos medir como a aglomeração do Universo mudou ao longo do tempo cósmico, podemos inferir algo sobre a energia escura: quanto dela existia, e quais eram suas propriedades em momentos diferentes do tempo.

A DES tentará calcular o parâmetro w da “equação de estado” da energia escura. O que o w representa?
O parâmetro w informa a razão da pressão da energia escura por sua densidade. Se a energia escura for a constante cosmológica, então poderemos mostrar que o único w consistente para o espaço vazio é aquele em que a pressão é exatamente igual a menos a densidade energética. Então o w tem um valor muito específico: menos um.

Se a energia escura não for a constante cosmológica, o que mais ela pode ser?
As alternativas mais simples, e aquelas em que trabalhei nos anos 90, são inspiradas pela “inflação”. Antes de sabermos que a expansão do Universo está acelerando, acreditávamos que o Universo havia acelerado na menor fração de um segundo após o Big Bang. A ideia de aceleração cósmica inicial é chamada de inflação.

Assim, o mais simples a fazer era assumir a teoria que explica essa outra época de expansão acelerada e que envolve campos escalares.

Um campo escalar é uma entidade que tem um valor em todos os locais do espaço.

Conforme o campo evolui, ele pode agir como a energia escura: se evoluir lentamente, terá pressão negativa, o que fará o Universo acelerar.

Os modelos mais simples de inflação primordial sugerem que, durante certo período, o Universo foi dominado por um desses campos escalares, e ele eventualmente decaiu e desapareceu. E se essa é nossa melhor ideia a respeito do que aconteceu quando [a expansão do] Universo estava se acelerando há quase 14 bilhões de anos, deveríamos considerar que talvez algo semelhante esteja acontecendo agora.

Se observarmos esses modelos, veremos que eles tendem a prever que o w, a razão entre a pressão e densidade energética, será levemente diferente de menos um. Gostaríamos de testar essa ideia.

No futuro, a DES também tentará determinar se o w está mudando com o passar do tempo. O que isso nos dirá?
Em quase todos os modelos de energia escura distinta de constante cosmológica, o w tende a evoluir no tempo.

O w poderia, por exemplo, começar como menos um no passado distante e, conforme o campo escalar evolui cada vez mais rápido, o w se afasta cada vez mais de menos um.

Mas, de acordo com outras teorias, pode ocorrer o oposto.

Assim, se pudermos medir não apenas o w, mas também uma quantidade que chamamos de wa – a velocidade com que o w muda no tempo – poderemos dizer “Vivemos em um tipo de Universo, ou em outro?”.

O que os dados atuais nos dizem sobre o wa?
Eles são consistentes com a não-evolução – wa igual a zero – mas os erros são tão grandes que não temos informações significativas.

Assim, o que queremos fazer com a DES é produzir medidas suficientes para realmente começar a limitar o wa.

Se observarmos os valores atualmente permitidos de w0 e wa em um plano, veremos uma área aproximadamente limitada por uma elipse. Nossa esperança é conseguirmos reduzir a área da elipse no plano w0-versus-wa por um fator de três a cinco se comparado à sua posição nos últimos anos.

No momento, os dados ainda são consistentes com uma constante cosmológica. Mas esperamos que, quando começarmos a reduzir a elipse, ela possa ser reduzida a algo incompatível com a constante cosmológica.

Não podemos dizer se isso vai acontecer mas, se conseguirmos, será muito empolgante.

Por que o senhor prefere um campo escalar à constante cosmológica?
Porque isso revelaria que existe uma física nova em uma área em que não a esperávamos. E também, se o w for diferente de menos um, teríamos esperança de aprender algo sobre a física da energia escura.

Por outro lado, se tivermos apenas a constante cosmológica, isso será interessante, mas dificilmente nos indicará para onde ir.

Os primeiros artigos da DES foram publicados nos últimos meses. Que resultados foram relatados?
Esses resultados são de um período que chamamos de “verificação científica”, em que conduzimos uma mini versão de nossa pesquisa logo após instalar a câmera no telescópio para testar a qualidade dos dados que ela estava produzindo.

Em um estudo, por exemplo, nós medimos as massas de quatro aglomerados galácticos por meio de seu efeito de lentes gravitacionais. Em outro estudo, usamos as cores de galáxias para estimar seus desvios para o vermelho, o que efetivamente nos informa suas distâncias.

Quase todos os nossos resultados em energia escura vão depender fundamentalmente dessa técnica de cor.

Queríamos convencer a nós mesmos de que poderíamos medir esses desvios com precisão suficiente para realizar as medidas da matéria escura, e conseguimos demonstrar isso.

Qual é a sensação de operar o telescópio no Chile?
O observatório fica em uma montanha, Cerro Tololo, a uma elevação de aproximadamente sete mil pés (2,13 quilômetros). É muito seco, então não existe muita vegetação, mas eu acho lindo.

O sistema não é completamente automático, mas até um teórico como eu consegue operar a câmera. Nós temos um programa de computador que diz “Certo, com base no que observamos até agora, com base na posição da lua, com base no clima atual, aponte o telescópio para lá durante os próximos minutos”.

Assim, na maior parte do tempo você simplesmente fica sentado no console, garantindo que tudo esteja funcionando e observando imagens maravilhosas do Universo aparecendo na tela. É divertido.

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