quarta-feira, 16 de julho de 2014

Um "hotspot" de poderosos raios cósmicos



(Astronomia On Line - Portugal) Um observatório gerido pela Universidade do Utah (EUA) descobriu um "hotspot" por baixo da Ursa Maior que emite um número desproporcional de raios cósmicos altamente energéticos. A descoberta move a física um passo em frente na identificação das misteriosas fontes das partículas mais energéticas do Universo.

"Isto coloca-nos mais perto de descobrir as fontes - mas ainda falta um bocado," afirma Gordon Thomson, físico da Universidade do Utah, porta-voz e co-investigador principal do Telescope Array do observatório de raios cósmicos a Oeste de Delta, no estado americano do Utah. É o maior detector de raios cósmicos do Hemisfério Norte.

"Tudo o que vemos é uma mancha no céu, e dentro desta mancha existem todo o género de coisas - vários tipos de objectos - que podem ser a fonte" dos raios cósmicos poderosos, acrescenta. "Agora nós sabemos onde procurar."

Um novo estudo que identifica um "hotspot" no céu do norte para raios cósmicos altamente energéticos foi aceite para publicação na revista Astrophysical Journal Letters.

Thomson diz que muitos astrofísicos suspeitam que os raios cósmicos ultra-energéticos são gerados por núcleos activos de galáxias, ou NAGs, nos quais o material é sugado para um buraco negro supermassivo no centro da galáxia, enquanto outro material é expelido para fora num jacto conhecido como blazar. Outra possibilidade popular é que os raios cósmicos mais energéticos vêm de algumas supernovas (explosão de estrelas) que emitem rajadas de raios-gama.

Os raios cósmicos menos energéticos vêm do Sol, de outras estrelas e da explosão de estrelas, mas a fonte ou fontes dos raios cósmicos mais energéticos permanece um mistério há décadas.

O estudo foi realizado por 125 investigadores do projecto Telescope Array, incluindo Thomson e 31 outros físicos da Universidade do Utah, além de 94 outros cientistas da Universidade de Tóquio e de 28 outros institutos de pesquisa do Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul, Rússia e Bélgica.

Partículas de além da nossa Galáxia
Os raios cósmicos, descobertos em 1912, na verdade são partículas, não raios: ou protões (núcleos de hidrogénio) ou os centros ou núcleos de elementos mais pesados como o carbono, oxigénio, azoto ou ferro. Thomson e muitos físicos acreditam que os raios cósmicos de alta-energia são apenas protões, embora alguns suspeitem que incluem núcleos de hélio e azoto.

Além de núcleos galácticos activos e emissores de raios-gama, as possíveis fontes incluem galáxias ruidosas no rádio, ondas de choque em colisões galácticas e até mesmo algumas fontes hipotéticas mais exóticas como o decaimento das chamadas "cordas cósmicas" ou de partículas maciças que sobraram do Big Bang que formou o Universo há 13,8 mil milhões de anos atrás.

São considerados raios cósmicos ultra-energéticos aqueles acima dos 1x10^18 eV. Se um raio cósmico ultra-energético penetrasse a atmosfera e atingisse alguém na cabeça, essa única partícula subatómica teria um efeito parecido a ser atingido por uma rápida bola de basebol.

Os raios cósmicos ultra-energéticos vêm de fora da nossa Galáxia, que mede cerca de 100.000 anos-luz de diâmetro. Mas 90% deles surgem até 300 milhões de anos-luz da Via Láctea porque os raios cósmicos poderosos a distâncias ainda maiores são muito enfraquecidos pela interacção com a radiação cósmica de fundo - o brilho fraco do Big Bang, afirma Charlie Jui, professo de física e astronomia da Universidade do Utah.

O raio cósmico ultra-energético mais poderoso alguma vez medido foi detectado neste estado americano em 1991 pelo Observatório Fly's Eye da mesma Universidade - um predecessor do Telescope Array actual. Essa partícula de raio cósmico transportava uma energia de 3x10^20 eV.

O Telescope Array usa dois métodos para detectar e medir raios cósmicos. Em três locais espalhados pelo deserto, conjuntos de espelhos chamados detectores de fluorescência observam o céu em busca de "flashes" fracos e azuis, criados quando os raios cósmicos atingem as moléculas de azoto na atmosfera.

Estas colisões criam uma cascata de outras colisões com gases atmosféricos, resultando em "chuvas de ar" de partículas detectadas por 523 detectores de cintilação parecidos a mesas, espalhados por mais de 300 quilómetros quadrados de deserto. No novo estudo, afirma John Matthews, professor de física e astronomia da Universidade do Utah, foram usados 507 detectores de cintilação para investigar os raios cósmicos ultra-energéticos. Os detectores de fluorescência ajudaram a determinar a energia e a composição química das partículas de raios cósmicos.

Um "hotspot" de raios cósmicos
A equipa de pesquisa do Telescope Array, para o novo estudo, procurou raios cósmicos altamente energéticos acima dos 5,7x10^19 eV. Thomson diz que este corte elevado foi escolhido porque os raios cósmicos mais energéticos são menos "dobrados" pelos campos magnéticos no espaço - flexão esta que oculta as direcções de onde surgem e, assim, as direcções das suas fontes.

Estes raios cósmicos muito poderosos foram registados pelo Telescope Array entre 11 de Maio de 2008 e 4 de Maio de 2013. Durante os cinco anos, apenas 72 destes raios cósmicos foram detectados, confirmados e analisados para determinar a sua energia e direcção da fonte.

Mas 19 desses raios cósmicos foram detectados vindo da direcção do "hotspot", em comparação com apenas 4,5 que seria de esperar caso os raios cósmicos surgissem aleatoriamente de todas as partes do céu, afirma Jui.

O "hotspot" é um círculo com um diâmetro de 40 graus, que representa 6% do céu do Hemisfério Norte. "Temos um-quarto dos nossos eventos naquele círculo, em vez de 6%," comenta Jui.

Thomson diz que o "hotspot" está centrado no canto sudoeste da constelação de Ursa Maior. "Está um par de 'mãos' (com o braço esticado) abaixo da 'pega' da Ursa Maior," realça.

Mais precisamente - embora não seja visível através de telescópios normais - o "hotspot" está centrado na ascensão recta de 146,6 graus e 43,2 graus de declinação.

Está perto do "plano supergaláctico" - o superenxame galáctico de Virgem, bastante achatado. A nossa Via Láctea encontra-se na periferia deste aglomerado gigante.

A probabilidade deste "hotspot" ser um acaso estatístico, em vez de real, é de apenas 1,4 em 10.000, calculam os cientistas.

As observações por Pierre Auger do observatório de raios cósmicos na Argentina fornecem evidências de um "hotspot" mais fraco no Hemisfério Sul. A ser real, Thomson diz que os raios cósmicos nos "hotspots" norte e sul devem vir de fontes diferentes.

Alargando a pesquisa
Jui afirma que um estudo separado, agora em curso, sugere que a distribuição dos raios cósmicos ultra-energéticos no céu do norte é consistente com a "estrutura em larga escala" do Universo, o que significa que os raios cósmicos tendem a vir de áreas do Universo onde a matéria está concentrada em enxames e superenxames de galáxias.

"Isto diz-nos que há pelo menos uma boa hipótese destes serem provenientes de matéria que vemos, em oposição a uma classe diferente de mecanismos que produzem estas partículas com recurso a processos exóticos" - as tais cordas cósmicas, comenta. "E isso aponta-nos para o próximo passo lógico na pesquisa: a construção de um detector maior que recolhe quatro vezes mais eventos [de raios cósmicos altamente energéticos] por ano. Com mais eventos, estamos mais propensos a ver a estrutura nesse 'hotspot' e isso pode ajudar-nos a descobrir as fontes verdadeiras."

Os físicos querem alargar o tamanho e, portanto, a sensibilidade do Telescope Array, duplicando o número de detectores de cintilação em forma de mesa até cerca de 1100, mas mais espalhados, quadruplicando a área. Os investigadores esperam obter o financiamento, necessário para a expansão, dos governos americano e japonês ainda este ano, e concluir a obra em 2016.

O Telescope Array, construído por 17 milhões de dólares, começou operações em 2008 e mais tarde foi actualizado, elevando o custo até cerca de 25 milhões de dólares, dos quais dois-terços foram financiados pelo Japão e o restante um-terço pelos EUA, principalmente por meio da Universidade do Utah, conclui Matthews.

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