quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
BOSS mede escala do Universo com uma precisão de 1%
(Astronomia On Line - Portugal) Na semana passada o Estudo Espectroscópico Oscilatório Bariónico (BOSS - Baryon Oscillation Spectroscopic Survey) anunciou que tinha medido a escala do Universo com uma precisão de um por cento. Esta e futuras medições com esta precisão são a chave para determinar a natureza da energia escura.
"A precisão de um por cento na escala do Universo é a mais alta do género já alguma vez feita," afirma David Schlegel, investigador principal do BOSS, membro da Divisão de Física do Laboratório Nacional de Berkeley do Departamento de Energia dos EUA. "Há vinte anos atrás, os astrónomos discutiam estimativas que diferiam até 50%. Há cinco anos atrás, tínhamos refinado esta incerteza até 5%; há um ano atrás era 2%. A precisão de 1% será padrão durante muito tempo."
O BOSS é o maior programa do SDSS-III (Sloan Digital Sky Survey-III). Desde 2009 que usa o Telescópio da Fundação Sloan no Observatório de Apache Point, no estado americano do Novo México, para registar espectros altamente precisos de mais de um milhão de galáxias com desvios para o vermelho que variam entre 0,2 e 0,7, olhando para trás mais de seis mil milhões de anos no passado do Universo. Schlegel afirma: "Nós acreditamos que a base de dados BOSS inclui mais desvios para o vermelho de galáxias do que todos os outros telescópios combinados."
O estudo irá continuar a recolher dados até Junho de 2014. No entanto, de acordo com Martin White, membro do Laboratório de Berkeley, professor de física e astronomia da Universidade da Califórnia em Berkeley, e presidente da equipa de pesquisa do BOSS, "fizemos a análise agora porque temos 90% dos dados finais do BOSS e estamos tremendamente animados com os resultados."
As oscilações acústicas bariónicas (OABs) são agrupamentos regulares de galáxias, cuja escala fornece uma medida padrão para a medição da evolução da estrutura do Universo. A medição precisa aumenta dramaticamente o nosso conhecimento das propriedades cosmológicas fundamentais, incluindo a forma como a energia escura acelera a expansão do Universo.
Combinados com medições recentes da radiação cósmica de fundo em microondas e medições de supernovas em expansão acelerada, os resultados do BOSS sugerem que a energia escura é uma constante cosmológica cuja força não varia no espaço ou no tempo. Embora pouco provável que seja uma falha na Teoria Geral da Relatividade de Einstein, os autores das análises do BOSS realçam que "compreender a causa física da expansão acelerada permanece um dos problemas mais interessantes da física moderna".
Entre outros parâmetros cósmicos, comenta White, a análise BOSS "também oferece uma das melhores determinações de sempre da curvatura do espaço. A resposta é, não é muito curvo".
Chamar "liso" a um universo tridimensional significa que a sua forma é bem descrita pela geometria euclidiana do ensino secundário: as linhas rectas são paralelas e os triângulos somam até 180 graus. Uma planicidade extraordinária significa que o Universo passou por uma inflação relativamente prolongada, até 10^33 de um segundo ou mais, imediatamente após o Big Bang.
"Uma das razões porque nos importamos com isto é que um Universo plano tem implicações na determinação de que o Universo é infinito," realça Schlegel. "Isto significa que - embora não possamos dizer com certeza que nunca vai ter um fim - é provável que o Universo se expanda para todo o sempre. Os nossos resultados são consistentes com um Universo infinito."
A análise BOSS tem por base os conjuntos de dados 10 e 11 do SDSS-III (DR 10 e DR 11) e foi submetida para publicação na revista mensal da Sociedade Astronómica Real; a análise está também disponível online.
Ondulações num mar de galáxias
A análise BOSS incorpora espectros de 1.277.503 galáxias e cobre 8.509 graus quadrados do céu visível a partir do Hemisfério Norte. É a maior amostra do Universo já estudada a esta densidade. Quando concluído, o BOSS terá recolhido espectros de 1,3 milhões de galáxias, além de 160.000 quasares e milhares de outros objectos astronómicos, cobrindo 10.000 graus quadrados.
As ondulações periódicas na densidade da matéria visível (bariões, resumidamente) permeiam o Universo como gotas de chuva na superfície de um lago. O agrupamento regular de galáxias é descendente directo de ondas de pressão que se moveram através do plasma quente do início do Universo, que era tão quente e denso que as partículas de luz (fotões) e partículas de matéria, incluindo protões e electrões, estavam fortemente agrupados. A matéria escura invisível também fazia parte da mistura.
No entanto, cerca de 380.000 anos depois do Big Bang, a temperatura da mistura em expansão tinha já arrefecido o suficiente para a luz escapar, permeando o universo recém-transparente com radiação intensa, que nos 13,4 mil milhões de anos seguintes continuou a arrefecer até se tornar na fraca mas penetrante radiação cósmica de fundo em microondas.
Pequenas variações na temperatura da radiação cósmica de fundo registam periodicidade na densidade original das ondulações, das quais o satélite Planck da ESA fez as medições mais recentes e mais precisas. A mesma periodicidade é preservada no agrupamento das galáxias BOSS, um sinal de OABs que também reflecte a distribuição da matéria escura subjacente.
O agrupamento regular em diferentes eras, começando com a radiação cósmica de fundo, estabelece a história da expansão do Universo. Beth Reid, colaboradora do BOSS e do Laboratório Berkeley, traduz as coordenadas celestes bidimensionais de galáxias, além dos seus desvios para o vermelho, em mapas 3D da densidade de galáxias no espaço.
"É a partir de flutuações na densidade de galáxias no volume que observamos, que extraímos a medida padrão dos OABS," realça. "Para comparar diferentes regiões do céu em pé de igualdade, primeiro temos que desfazer variações de efeitos atmosféricos ou outros padrões provocados pelo modo como observamos o céu com o nosso telescópio". Os resultados dependem crucialmente de medidas precisas dos desvios para o vermelho, que divulgam as posições das galáxias no espaço e no tempo. Mas as galáxias não se movem de forma igual.
"Quando as galáxias estão bem próximas umas das outras a sua atracção gravitacional mútua puxa-as umas às outras e interfere com tentativas de medir a estrutura a larga escala," realça Schlegel. "O seu movimento peculiar torna difícil escrever uma fórmula para o crescimento gravitacional geral".
No entanto, acrescenta Reid, "temos um modelo muito bom para a forma destas distorções. O campo de densidade de galáxias mostra onde há concentrações de matéria, e o campo de velocidade peculiar aponta na direcção do efeito de rede de todas as densidades locais."
"Os dados BOSS são inspiradores," realça Martin White, "mas muitas outras peças tiveram que ser colocadas antes de obter os nossos dados". Algoritmos computacionais complexos foram essenciais para reconciliar as incertezas inerentes. "Fizemos milhares de universos-modelo em computador, e observámo-los tal como o BOSS faria e fizemos a nossa análise para responder a questões de 'se?'"
Ao medir a eficácia dos seus algoritmos em analisar estas simulações do Universo, e com base em catálogos de galáxias realistas mas artificiais, a experiente equipa do BOSS foi capaz de avaliar e ajustar os seus algoritmos quando aplicados aos dados reais do BOSS.
A colaboração BOSS já forneceu a calibração mais precisa de sempre da medida padrão das OABs. A história da expansão do Universo foi medida com uma precisão sem precedentes até seis mil milhões de anos no passado, quando a expansão parou de desacelerar e começou a acelerar. Mas por mais precisos que sejam, os novos resultados são apenas o começo. É necessária uma maior cobertura e maior resolução em escala para compreender a própria energia escura.
O proposto DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument), com base numa parceria internacional de quase 50 instituições, permitiria com que o Telescópio Mayall em Kitt Peak, no estado americano do Arizona, mapeasse mais de 20 milhões de galáxias, mais de 3 milhões de quasares, em 14.000 graus quadrados do céu do Hemisfério Norte. Ao preencher as eras ausentes que o BOSS não consegue alcançar, o DESI poderá refinar e ampliar a cobertura da história da expansão do universo, desde a primeira aparição da radiação cósmica de fundo até aos dias de hoje.
Entretanto o BOSS, antes da conclusão prevista em Junho de 2014, continua a ser o instrumento principal para o mapeamento do Universo.
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