terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Recriando o Universo no laboratório

(Marcelo Gleiser - Folha) O estudo da cosmologia apresenta um problema de ordem prática um tanto complicado: ao contrário da maioria das outras ciências, em que amostras podem ser analisadas diretamente, fica difícil fazer experiências com outros universos no laboratório. Temos o nosso único exemplo e basta. O jeito é estudar as suas propriedades-os tipos de matéria que existem nele, a sua temperatura, o seu tamanho, a sua história-e, daí, tentar criar explicações plausíveis que as justifiquem.

Alguns físicos chegaram até a especular se seria possível criar um mini-universo no laboratório. Infelizmente, isto não parece viável. Universos como o nosso, que têm um momento de origem (um big bang), carregam com eles a marca do seu passado no que chamamos de "singularidade", o momento em que o tempo começa (o t=0 do relógio cósmico) e o espaço se reduz a um ponto de volume zero. O problema é que como as leis da física deixam de fazer sentido na singularidade, não sabemos como lidar com ela. Temos que nos contentar com o nosso único cosmo, estudando-o da melhor forma possível.

Existem duas formas de estudar as propriedades do Universo: recolhendo informação diretamente, através da observação dos objetos que podemos detectar-estrelas, galáxias, buracos negros, planetas, aglomerados de galáxias etc.-e simulando suas propriedades no laboratório. Não podemos criar universos no laboratório mas podemos recriar partes de sua história. Esses "laboratórios" são de dois tipos: colisores de partículas, feito o Grande Colisor de Hádrons (o LHC) do Centro Europeu de Física de Partículas, na Suíça, onde foi descoberto o bóson de Higgs em julho, e simulações em computadores.

Como simular o passado cósmico num acelerador de partículas? Basta lembrar que, segundo o modelo do Big Bang, nosso Universo teve uma infância muito quente e densa, em que a matéria que hoje constitui galáxias, planetas e pessoas estava ainda separada em seus componentes mais fundamentais: elétrons e quarks. (Quarks são os integrantes dos prótons e nêutrons). Isto porque as ligações entre as partículas de matéria só ocorrem quando não existem forças capazes de separá-las.

No passado cósmico, o calor era tão intenso, e a densidade de partículas tão grande (feito um trem da Central do Brasil no final da tarde), que era impossível, por exemplo, que quarks se juntassem para formar um próton, ou que prótons e elétrons se juntassem para formar um átomo de hidrogênio. Prótons só se formam em torno de um milionésimo de segundo após o "bang", enquanto que átomos só se formam 400 mil anos após o "bang".

Quando cientistas do LHC colidem prótons contra prótons (ou átomos) viajando próximos da velocidade da luz, as energias das colisões são tão intensas que reproduzem, por frações de segundo, condições semelhantes às que existiam quando o cosmo tinha apenas milionésimos de segundo de existência. Com isso, viajam ao passado e estudam a infância cósmica de forma controlada.

Resultados recentes mostram que algumas partículas que escapam da região da colisão viajando em sentidos opostos mantêm uma estranha ligação entre si: fazem caminhos iguais como se uma soubesse da outra. Este efeito, talvez o emaranhamento da física atômica, não havia sido visto ainda nas colisões de partículas. Ao estudarmos a natureza com novas ferramentas, o inusitado parece ser inevitável.

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