terça-feira, 22 de maio de 2012

Mensagens do Universo primitivo

Brilhantes e breves, erupções de raios-γ carregam pistas sobre a história cósmica





(Scientific American Brasil) Distantes e poderosos, os breves flashes de radiação de alta energia conhecidos como erupções de raios-γ (ERG), já foram um dos mistérios mais profundos da astronomia. Agora estão se tornando uma poderosa ferramenta: com observatórios orbitais como o Fermi e o Swift, que rotineiramente investigam as erupções, astrônomos planejam usar as ERGs como lâmpadas de flash para investigar minuciosamente os detalhes dos primórdios do Universo.

Observadas quase diariamente e vindas de todas as direções do espaço, acredita-se que as ERGs marquem o colapso do núcleo de uma estrela massiva em um buraco negro – evento que produz uma explosão cataclísmica. Sua luz intensa pode se espalhar por todo o universo visível, testemunhando os primeiros capítulos de sua história de aproximadamente 13 bilhões de anos. O entendimento dos teóricos sobre esses flashes ainda está incompleto, mas na conferência Fermi/Swift de ERGs de 2012, na semana passada em Munique, Alemanha, astrônomos discutiram como poderiam usar as ERGs para mapear a evolução química do Cosmos conforme sua luz é filtrada pelo gás das galáxias em que residem.

Volker Bromm, astrônomo da University of Texas, em Austin, explica que as ERGs são “pedras de Roseta cósmicas” que podem até mesmo carregar informações sobre a composição das primeiras estrelas do Universo, poucas centenas de milhões de anos após o Big Bang: “Elas têm um apelo quase metafísico. Queremos chegar à aurora do Universo”.

Assim como algumas galáxias e quasares – os núcleos luminosos de galáxias jovens com buracos negros supermassivos em seus centros –, os objetos que emitem ERGs estão entre os mais distantes do Cosmos. No papel de mensageiros do universo primitivo, as ERGs têm vantagens sobre os outros dois, aponta Nial Tanvir, astrônomo da University of Leicester, no Reino Unido. Elas são muito mais luminosas que galáxias distantes, o que significa que um espectrógrafo consegue mais informações ao dividir sua luz nos comprimentos de onda constituintes, para revelar linhas de absorção química. E apesar de os quasares brilharem muito, sua luz pode ser mais errática que a das ERGs e seus espectros mais complicados, o que torna difícil extrair informações sobre o material que atravessaram.

O desafio está no fato de as ERGs serem imprevisíveis e breves – normalmente durando apenas alguns segundos nas energias mais altas. Seus flashes efêmeros são seguidos por longas persistências luminosas (afterglows) que podem ser medidas em comprimentos de onda mais longos, mas os observatórios terrestres precisam reagir rapidamente se quiserem captar essas persistências no momento em que uma sonda detecta uma erupção. Mas isso é possível: uma erupção, detectada pelo Swift em setembro de 2005, foi tão intensa que o telescópio Subaru, de 8 m, no Havaí, detectou sua persistência e obteve um espectro mais de três dias depois. Com um desvio para o vermelho de 6,3, estima-se que essa erupção tenha ocorrido quando o Universo tinha menos de 7% de sua idade atual. O espectro, rico em detalhes, revelou que a re-ionização do hidrogênio – um momento decisivo da história cósmica após o Universo resfriar e escurecer, após o Big Bang – foi praticamente completa.

Mas os astrônomos querem voltar ainda mais profundamente no tempo. As ERGs têm ocorrido desde antes da formação das primeiras estrelas, que provavelmente eram massivas, brilhantes e de vida curta. Quando as estrelas expiravam violentamente na forma de ERGs, a luz delas ofereceria uma cobiçada impressão digital química do gás circundante, o material primordial do universo primitivo.

Analisando as ERGs em galáxias de épocas diferentes, os astrônomos podem ser capazes de descobrir como a composição do universo primitivo evoluiu à medida que as primeiras gerações de estrelas “queimavam” hidrogênio e hélio, convertendo-os em elementos mais pesados, os “metais”. “Quando essas estrelas começaram a produzi-los? Quando elas se acenderam?”, pergunta Neil Gehrels, astrônomo do Goddard Space Flight Center em Greenbelt, em Maryland, e principal pesquisador do Swift.

Para ajudar nas observações de ERGs primitivas, Jochen Greiner, astrônomo do Instituto Max Planck para Física Extraterrestre em Garching, na Alemanha, e sua equipe construíram o Detector Óptico/Quase-Infravermelho de Erupções de Raios Gama (Grond, na sigla em inglês) e o adicionaram a um telescópio de 2,2 m de diâmetro operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), em La Silla, no Chile. O Grond responde aos alertas do Swift e assume o controle do telescópio do ESO. O sistema automatizado pode fazer uma rápida estimativa da distância de uma erupção; se o candidato for distante, Greiner e seus colegas convocam os astrônomos do Very Large Telescope, que têm instrumentos capazes de fazer medições espectroscópicas finas. Mas às vezes Greiner não consegue convencê-los a interromper seus trabalhos. “Eles não percebem que temos que reagir em minutos”, lamenta-se.

Greiner se preocupa também com o fato de o Swift, apesar de ainda funcionar bem, ter sido projetado para durar apenas dois anos. Já Gehrels está otimista: com mais espectrógrafos nos telescópios terrestres os astrônomos seriam capazes de extrair o máximo das descobertas do Swift. O pesquisador acredita que é apenas questão de tempo até que uma explosão que nos leve ainda mais perto do Big Bang seja detectada: “Só precisamos de uma, mas ainda não tivemos essa sorte”.

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