Os cientistas usaram quasares, gigantescos núcleos galáctivos muito brilhantes e muito distantes da Terra, para iluminar os átomos dispersos pelo espaço. Analisando a luz que nos chega, eles concluíram que esses átomos se comportam de forma diferente dos átomos na Terra.[Imagem: Michael Murphy/Swinburne University of Technology/NASA/ESA]
Constante de estrutura fina
(Inovação Tecnológica) Um dos mais queridos princípios da ciência - a constância das leis da física - pode não ser verdadeiro.
Um estudo publicado na mais conceituada revista de física, a Physical Review Letters, afirma que as leis da natureza podem variar ao longo do Universo.
O estudo concluiu que uma das quatro forças fundamentais, o eletromagnetismo, parece variar de um lugar para outro.
O eletromagnetismo é medido por meio da chamada constante de estrutura fina, simbolizada pela letra grega alfa (α).
Esta constante é uma combinação de três outras constantes: a velocidade da luz (c), a carga do elétron (e) e a constante de Planck (h), onde α = e2/hc.
O resultado é cerca de 1/137, um número sem dimensão, o que a torna ainda mais fundamental do que as outras constantes, como a gravidade, a velocidade da luz ou a carga do elétron.
Em termos gerais, a constante alfa mede a magnitude da força eletromagnética - em outras palavras, a intensidade das interações entre a luz e a matéria.
Constantes inconstantes
Agora, John Webb e seus colegas das universidades de Nova Gales do Sul e Swinburne, na Austrália, e Cambridge, no Reino Unido, mediram o valor de alfa em cerca de 300 galáxias distantes, usando dados do Very Large Telescope do ESO, no Chile.
"Os resultados nos deixaram estupefatos," disse o professor Webb. "Em uma direção, a partir de nossa localização no Universo, a constante alfa vai ficando gradualmente mais fraca, e gradualmente mais forte na direção oposta."
Isso mostra uma espécie de "eixo preferencial" para o Universo - chamado pelos cientistas de "dipolo australiano" - de certa forma coincidente com medições anteriores que deram origem à teoria do chamado Fluxo Escuro, que indica que uma parte da matéria do nosso Universo estaria vazando por uma espécie de "ralo cósmico", sugada por alguma estrutura de um outro universo.
A variação da constante alfa foi detectada como uma continuidade ao longo do espaço, o que daria uma espécie de "eixo preferencial" para o Universo - é como se houvesse um eixo magnético universal, atravessando todo o Universo observável, da mesma forma que há um eixo magnético na Terra. [Imagem: Webb et al.]
"A descoberta, se confirmada, terá profundas implicações para o nosso entendimento do espaço e do tempo, e viola um dos princípios fundamentais da teoria da Relatividade Geral de Einstein," completou Webb, referindo-se ao princípio da equivalência de Einstein.
O resultado não é uma completa surpresa: as conclusões haviam sido anunciadas pela equipe em 2010.
Naquele momento, porém, o estudo ainda não havia sido publicado em uma revista revisada pelos pares - tanta demora para que outros cientistas analisassem o estudo é uma indicação bem clara do impacto que os resultados podem ter sobre todo o edifício científico estabelecido.
O Dr. Webb e seus colegas vêm trabalhando no assunto há muito mais tempo. Seus primeiros resultados vieram em 1999, mas eram baseados em um número menor de galáxias, de uma região mais restrita do céu.
Universo infinito ou múltiplos universos
Uma das implicações dessas "constantes inconstantes" é que o Universo pode ser infinito.
"Essas violações são de fato esperadas por algumas 'teorias de tudo', que tentam unificar todas as forças fundamentais. Uma alteração suave e contínua de alfa pode implicar que o Universo seja muito maior do que a parte dele que conseguimos observar, possivelmente infinito," propõe o Dr. Victor Flambaum, coautor do estudo.
Outra possibilidade derivada dessa variação na constante alfa é a existência de multiversos, múltiplos universos que podem, de alguma forma, "tocar-se" uns aos outros.
O professor Webb afirma que esta descoberta também pode dar uma resposta muito natural para uma questão que tem intrigado os cientistas há décadas: por que as leis da física parecem tão bem ajustadas para a existência da vida?
"A resposta pode ser que outras regiões do Universo não são tão favoráveis à vida como nós a conhecemos, e que as leis da física que medimos em nossa parte do Universo são meramente 'regras locais'. Neste caso, não seria uma surpresa encontrar a vida aqui," afirma o cientista.
Isto porque basta uma pequena variação nas leis da física para que, por exemplo, as estrelas deixem de produzir carbono, o elemento básico da "vida como a conhecemos".
O estudo comparou a assinatura espectral de quasares distantes com os resultados obtidos em laboratório para concluir que a constante alfa varia ao longo do Universo. [Imagem: Julian Berengut/UNSW]
Como os cientistas chegaram a esta conclusão
Para chegar às suas conclusões, os cientistas usaram a luz de quasares muito distantes como faróis.
O espectro da luz que chega até nós, vinda de cada quasar, traz consigo sinais dos átomos nas nuvens de gás que a luz atravessou em seu caminho até a Terra.
Isto porque uma parte da luz é absorvida por estes átomos, em comprimentos de onda específicos que revelam a identidade desses átomos - de quais elementos eles são.
Essas "assinaturas espectrais", chamadas linhas de absorção, são então comparadas com as mesmas assinaturas encontradas em laboratório aqui na Terra para ver se a constante alfa é mesmo constante.
Os resultados mostraram que não, que alfa varia ao longo de um eixo que parece atravessar o Universo, assim como um eixo magnético atravessa a Terra.
Novas teorias
Quanto ao espanto causado pelos resultados, o Dr. Webb afirma que as chamadas leis da física não estão "escritas na pedra".
"O que nós entendemos por 'leis da natureza'? A frase evoca um conjunto de regras divinas e imutáveis que transcenderiam o 'aqui e agora' para aplicar-se em todos os lugares e em todos os tempos no Universo. A realidade não é tão grandiosa.
"Quando nos referimos às leis da natureza, estamos na verdade falando de um determinado conjunto de ideias que são marcantes na sua simplicidade, que parecem ser universais e que têm sido verificadas por experimentos.
"Portanto, somos nós, seres humanos, que declaramos que uma teoria científica é uma lei da natureza. E os seres humanos frequentemente estão errados," escreveu ele em um artigo na revista Physics World.
Reação muito semelhante teve um dos pesquisadores responsáveis pelo recente experimento que teria identificado neutrinos viajando a velocidades superiores à da luz, outro achado que contraria as atuais leis da física.
Ao falar sobre a controvérsia e as inúmeras tentativas de dar outras explicações para os resultados, o Dr. Sergio Bertolucci afirmou que "um experimentalista tem que provar que uma medição está certa ou está errada. Se você interpretar cada nova medição com as velhas teorias, você nunca terá uma nova teoria".
E como os cientistas poderão ter certeza de que é hora de investir em uma nova teoria?
Se há variação em uma das constantes, é de se esperar que as outras constantes fundamentais também variem.
Tudo o que eles terão que fazer será projetar experimentos que possam verificar variações na gravidade, na carga do elétron ou na velocidade da luz.
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