sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Desconcerto do multiverso

(Ulisses Capozzoli - Scientific American Brasil) A edição de setembro de Scientific American Brasil, que chega às bancas nesta quarta-feira (24/08), traz como artigo de capa um tema que até recentemente esteve confinado à ficção científica e por isso mesmo é algo perturbador: os multiversos.

A primeira versão dessa idéia, conhecida como universos paralelos, levava em conta o que ficou conhecido como “buracos de minhoca” ou Ponte de Einstein-Rosen, conexões no espaço-tempo entre dois pontos de um único ou dois universos.

Na década passada, no entanto, uma variação dessa concepção expandiu entre a comunidade cosmológica internacional, com defensores e críticos postados em cada uma das extremidades dos debates.

Aqui o conceito básico é que o Universo, em vez de único, pode ser apenas mais um, algo que, em certos casos, pode ser comparado a um aglomerado de bolhas de sabão acumulado nas bordas de uma banheira.

Em artigos que Scientific American Brasil já publicou, caso de “A Procura por Vida no Multiverso”, em fevereiro de 2010, e em livros como The hidden reality (A realidade oculta), do físico americano Brian Greene, um dos reconhecidos especialistas na Teoria de Cordas, fala-se, em relação a multiversos, de uma “revolução supercopernicana”.

A diferença é que, desta vez, não apenas estaríamos deixando o centro do Universo, como propôs o sábio polonês em 1543, mas de uma situação em que fica completamente inconsistente o sentido etimológico de Universo.

O artigo de capa de Scientific American Brasil, “O multiverso realmente existe?” foi escrito pelo físico e cosmólogo George F. R. Ellis, da Cape Town University, na África do Sul. Ellis, um dos destacados especialistas em relatividade geral, a teoria da gravitação de Albert Einstein. Ellis é coautor, com o físico inglês Stephen Hawking, do livro Large scale structure of space-time (A estrutura do espaço-tempo em larga escala), de 1973 e ainda sem tradução no Brasil.

Além do chamado universo observável — algo parecido à situação de um observador postado, por exemplo, no topo de um farol no centro de uma pequena ilha, que é incapaz de enxergar um navio abaixo da linha do horizonte — pode haver inúmeros outros universos fora de nossa observação direta.

Ainda com base no exemplo anterior, embora um observador postado no topo do farol, no centro da pequena ilha não possa observar, além da linha do horizonte existem tanto outras ilhas como continentes inteiros fora de sua visão direta.

Para a parcela dos cosmólogos afeitos à teoria do multiverso, haveria basicamente dois níveis de universos.

O primeiro, grupo em que Ellis se inclui, de nível 1 — segundo uma classificação feita pelo cosmólogo sueco-americano Max Tegmark, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) da California —, teriam as mesmas leis físicas em comum.

Mas outros, caso de Aleksander Vilenkin, diretor do Instituto de Cosmologia da Tufts University, em Massachusetts, vão bem mais longe.

Para Vilenkin multiversos de nível 2 teriam infinito universos, com infinitas galáxias, infinitos planetas e um infinito número de pessoas com o mesmo nome do leitor, lendo exatamente este artigo.

Neste segundo caso, as leis da física seriam diferentes, de bolha para bolha.

Ou seja, na concepção de Vilenkin, cuja universidade é pioneira em formar novos líderes para um mundo em mudança, teríamos, na essência um jogo de espelhos com universos infinitos em vez de um único como pensamos até recentemente.

Como se vê, é o caso, ao menos aparente, do que sempre julgamos pura ficção, substituindo a realidade.

Pessoas de nossas cenas cotidianas — um gerente de banco, um motorista de ônibus, um comerciante tocando seu negócio ou um advogado envolvido com processos — podem se perguntar em que essas novas idéias afetariam suas vidas.

Um motorista de ônibus, por exemplo, ao menos em princípio, não levaria em conta que em vez de virar a direita, num determinado trajeto, passaria a pegar a esquerda.

O gerente de banco não enxergaria mudanças na sua rotina de atender clientes apressados, em busca de crédito ou preocupados com os títulos capazes de oferecer maior segurança para aplicações nesta época conturbada.

Um advogado penal não consideraria que os crimes fossem abolidos inesperadamente e ele ficasse sem clientes para defender.

A verdade, no entanto, como demonstrou Nicolau Copérnico em meados do século 16, é que a mudança paradigmática de um conceito cosmológico tende a produzir, ao longo do tempo, transformações profundas e irreversíveis na cultura.

Tudo se passa como um sismo poderoso, onde se distingue claramente as realidades de um antes e um depois.

A concepção do que agora chamamos de multiverso, pondera Ellis em seu artigo, remonta à Antiguidade e inclui mais de uma cultura humana. O que é novo, aponta, “é a asserção de que o multiverso é uma teoria científica, com tudo o que implica ser uma teoria matematicamente rigorosa e testável”.

Ellis se confessa “um cético” quanto à idéia de multiverso ter sido demonstrada suficientemente ou mesmo que isso venha a ocorrer.

Mas reconhece que os proponentes do multiverso, “ao mesmo tempo em que engrandecem nossa concepção de realidade física, estão redefinindo o que se entende por ciência”.

Aqui é inevitável retomar um acontecimento que alterou radicalmente a visão do céu. Em uma de suas obras o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) disse que as estrelas permaneceriam para sempre desconhecidas dos humanos por estarem a enormes distâncias e serem muito quentes.

Era um raciocínio sensato, mas sensatez não é algo que caracteriza a ciência.

Assim em 1925, a astrônoma americana de origem inglesa, Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979) defendeu sua tese de doutorado, Stellar Atmospheres, A contribution to the Observational Study of High Temperature in the Reversing Layer of Stars e literalmente enterrou a previsão sensata do pai da sociologia.

No trabalho, que ficou conhecido como “a tese mais brilhante já escrita em astronomia”, ela predisse a composição estelar antecipando que essas fogueiras cósmicas distantes são formadas majoritariamente por hidrogênio.

Sir Arthur Eddington, físico inglês, a maior autoridade de sua época em evolução estelar objetou que Cecilia estava errada.

Mas, em seguida, ficou demonstrado que se alguém se equivocou, havia sido ele.
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E mais:
Teoria: nosso universo pode ser parte de mais universos (Hypescience)



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Dimensões extras: se elas existem, buracos negros e pulsares podem nos ajudar a descobrir (Hypescience)

Um comentário:

  1. Excelente. O suposto universo é plural. Maravilhoso isso. Isso demonstra o quanto ainda é restrita a mente humana, e o quanto pode e precisa se alargar para abarcar os novos paradigmas.

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