quarta-feira, 31 de março de 2010

O universo renasce

O mega-acelerador de partículas Grande Colisor de Hádrons conseguiu ontem recriar, pela primeira vez na história, as condições existentes um bilionésimo de segundo depois do Big Bang, a explosão que originou o cosmo. A análise dos dados, porém, deve levar anos

(Correio Braziliense) A data de 30 de março de 2010 certamente estampará as páginas dos livros escolares e das grandes obras de física. Entrará para a história da humanidade. Às 13h06 de ontem (8h06 em Brasília), a ciência conseguiu recriar pela primeira vez as condições do universo, retrocedendo no tempo até apenas um bilionésimo de segundo depois do Big Bang, a grande explosão que originou o cosmo. Na sala de controle da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), os cientistas aplaudiram de pé o feito e abriram uma garrafa de champanhe, enquanto monitores e telões comprovavam o sucesso da experiência, após dois fracassos.

“Os resultados excederam minhas expectativas. As colisões de prótons ocorreram de forma bastante rápida e muito suave”, comemorou, em entrevista ao Correio, por e-mail, o físico Rolf-Dieter Heuer, diretor-geral da Cern. A façanha ocorreu dentro do mega-acelerador de partículas Grande Colisor de Hádrons (LHC, pela sigla em inglês), construído dentro de um túnel de 27km de circunferência, a 175m da superfície, sob a fronteira entre Suíça e França.

“As partículas se chocaram pela primeira vez pouco depois das 13h e todos na sala de controle ficaram felizes. A energia liberada pelas colisões foi de 7 teraelétron volts, um fator 3,5 vezes mais alto que o obtido no Fermilab”, declarou Heuer, referindo-se ao acelerador situado em Batavia, no estado norte-americano de Illinois. Além de simular os instantes após o Big Bang, a experiência de ontem no LHC bateu o recorde mundial de energia. “Agora, pretendemos realizar muito mais colisões, coletar informações e ter paciência”, acrescentou o diretor da Cern.

Os dois feixes de prótons, viajando a quase 300 mil quilômetros por segundo — velocidade equivalente a 99,9% da velocidade da luz —, produziram choques estáveis durante três horas e permitiram aos cientistas registrarem 500 mil eventos, que ocorriam de modo simultâneo no LHC. O experimento possibilitou que a ciência “voltasse” 13,7 bilhões de anos no tempo. “É o começo do que espero ser uma grande aventura”, afirmou ao Correio, pela internet, o norte-americano Frank Wilczek, cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e Prêmio Nobel de Física em 2004.

Para James Gillies, chefe de comunicação e porta-voz da Cern, as escalas de tempo para pesquisa em física de partículas são muito grandes. “Estamos no começo do processo que nos trará novos insights sobre o modo como o universo funciona, e o modo como ele surgiu”, disse à reportagem, estimando um prazo de um ano para essas primeiras conclusões. Ele acredita que os mais importantes resultados obtidos ontem são o fato de a velocidade dos feixes de prótons ter acumulado dados e produzido medidas básicas para análises futuras. “O LHC não recria as condições para o Big Bang, mas aquelas que existiram no universo imediatamente após a explosão cósmica. Isso nos capacita a ‘fabricar’ partículas que foram feitas pela primeira vez no Big Bang, mas que eram invisíveis para nós até então”, admitiu.

Gillies aposta que as primeiras colisões em alta energia no LHC marcam o início da nova era da física de partículas. “O LHC é a máquina que levará nossa compreensão para além do modelo das partículas fundamentais, provavelmente nos dando vislumbres da matéria escura, que forma 25% do universo, por exemplo”, acrescentou.

Brasil
“Nós iniciamos uma nova era na física. Ao atingirmos a energia de 7 teraelétron volts, reconstruímos muitas partículas conhecidas. É o primeiro passo para trabalharmos na calibragem do experimento e de todos os seus subdetectores”, disse, por e-mail, o físico carioca Alberto Santoro, líder do grupo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que trabalha no Solenoide Compacto de Múons (CMS), um dos quatro detectores do LHC. De acordo com ele, nunca se trabalhou com uma energia tão alta. “Podemos falar de uma aproximação com o Big Bang, e não na explosão cósmica propriamente dita, que envolveria uma complexidade ainda maior”, explicou o especialista brasileiro, com a cautela peculiar da ciência.

Santoro comenta que o Brasil participou de muitas maneiras do sucesso do LHC. “Nossos cientistas trabalharam na construção de subdetectores e na análise de dados simulados, que ajudarão nas futuras avaliações. Também mantivemos duras importantes unidades de computação, uma na UERJ e outra na Universidade Estadual Paulista (Unesp)”, revela. “Contribuímos com inteligência e com ideias. Isso sem contar com bons financiamentos, que ainda estão em andamento”, concluiu. Os cientistas também pretendem agora comprovar a existência do bóson de Higgs(1), a chamada “partícula de Deus”. “Possivelmente atestarem sua existência dentro de um a dois anos, quando tivermos um número razoável de eventos que permitirão uma análise contundente e sem ambiguidades”, comentou o físico carioca.

A peça que falta
Para os cientistas, o bóson de Higgs é a única peça que falta para explicar a materialidade do universo. Sua existência foi teorizada em 1964 pelo físico britânico Peter Ware Higgs. Acredita-se que a massa seja o resultado da interação das partículas já conhecidas (entre elas, elétrons, quarks, fótons e glúons) com o bóson de Higgs.

O número
11 mil
Número de voltas que os feixes de prótons deram no LHC a cada segundo, durante as colisões desta terça (30/3)

Três perguntas para Frank Wilckzek, Nobel de Física

É o início de uma nova era na física? Qual é a importância dessa façanha obtida pelo LHC?
Nós quase certamente entenderemos do que é feito o meio preenchido pelo espaço (“campo de Higgs”) que temos usado em nossas equações. Eu espero vermos o vislumbre do novo mundo previsto pela supersimetria. Isso sustentaria uma visão de unificação de forças que alguns de nós temos defendido por algum tempo. Devemos descobrir a composição da matéria escura — ou eliminar muitas propostas para explicá-la. É claro, pode haver surpresas completas.

O que aconteceu dentro do LHC?
O LHC certamente reproduzirá algo como as condições que eram comuns a todo o universo quando ele tinha apenas um décimo de bilionésimo de segundo de idade. É claro, isso ocorrerá num volume muito pequeno de espaço. O que aconteceu hoje (ontem) foi um marco.

E quais os próximos passos desse experimento?
Fazer o LHC funcionar é um projeto de engenharia tremendamente complexo. É mais difícil do que colocar o homem na Lua. Hoje (ontem), o passo essencial foi demonstrado: a produção de colisões. E, provavelmente, as condições de um pequeno Big Bang foram obtidas. Mas, para dizer que algo sério tenha ocorrido, os cientistas terão de ajustar seus detectores e estudar muitas colisões. Isso levará meses ou alguns poucos anos.

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